segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

“... Mal sabe o homem,
Que nasce cego à dor,
Mudo ao horror,
E surdo ao amor,
O excelso fulgor que o calor
De corpo com corpo
Há de ensinar,
Por amor ou por dor,
A perder o porquê do existir,
Existir sem perder o porque,
Ou perder o existir sem porquê.
E tudo isso,
Sem pedir para nascer...”

Felipe Peloggia


Propósito

     Não se sabe até aonde o aceitável limita censuras éticas universais, onde o comportamento perde o exotismo lascivo e passa a exortar o indigno, eviscerando o senso de justo. A filosofia não reconhece o belo e desconhece o feio. Não se sabe o que é o que. O importante é que a trilha de tijolos leva o racional à uma explosão de sentidos: o cheiro irresistível de tinta fresca desbotada, de terra, de sangue que corre no chão.
     A mulher chora por amor ao oposto de si; pelo homem que não é; chora por amor. O homem chora por não calçar os sapatos do pai. O mundo gira em torno do próprio despropósito até que o poeta, coitado, que esperava ter o sentido da vida designado a si por versos em prosa, percebe que o sentido quem dá é ele, e o propósito, nada mais é do que o caminho e caminhar.

Felipe Peloggia

Passado Futuro

Um velho homem,
Em velhos trajes,
Sobre o duro asfalto
Da velha cidade,
Anda solene em passos
Marcados.
Compasso.

Bate o ponteiro intimorato,
O relógio canta
Desbravando tempo novo,
Futuro passado.
O velho sorri
Ao ver o jovem chorar.
Bate o ponteiro, faz o mundo girar.
Mal sabe o jovem
Que o que faz o tempo passar
É o lembrar.

O velho acende o cigarro
Sem saber do último trago
E contempla a bela,
Velha cidade,
Os belos e velhos sapatos,
Os braços cansados
E o calor do amanhecer,
Que tantas vezes testemunhou,
Antes do labor e do andar,
Do construir e conhecer
Cada curva do existir,
De amar sem se arrepender.

O cigarro chega ao fim,
O sol sai do ventre do inconsciente
Por entre prédios imponentes.
Perde-se o chão,
O mundo gira em lentidão.
Os tons de cinza desvanecem
Em desconexa harmonia.
Enquanto chorava o jovem,
O velho ria.

Felipe Peloggia