João estava sentado, a sala estava escura se não por alguns raios de luz do por do sol que passavam por algumas frestas da janela. Os rituais repetiam-se incessantemente, tresloucadamente, numa compulsividade insólita e desenfreada. Alguns fulgores criativos davam ritmo ao passo em que palavras eram impressas na folha à sua frente, seguidos por momentos silenciosos. Um trago no cigarro, outro no copo, e nada. Ele pegava o copo, o girava na mesa, dava outro trago, o girava novamente e nada. Ao servir outra dose, passava o dosador da garrafa de Jhonnie Walker Black com as últimas gotas que sempre respingavam na parte de trás de sua mão e tomava. Nada. Em momentos levantava da cadeira, com respiração acelerada, angariando por um súbito estro absoluto e despótico que desse pulso em seus escritos. O cigarro queimando, deixando rastros de cinza no cinzeiro, esquecido, ou em seus dedos, fazendo companhia a João no processo solitário de tecer palavras. Nada. Nada. Nada. Até que um fragmento de ideia o impulsionava por mais algumas páginas. Às vezes era necessário reescrever alguns parágrafos, em outros casos, amassar ou rasgar uma folha inteira e mover-se para a próxima. Por horas o ritual se repetia. Refeições eram ignoradas e ligações não eram atendidas. O mundo fora daquela sala não existia, ao menos não pelas últimas dez, doze horas. Era como se ele mesmo não existisse; apesar de sentir com veemência cada ensejo, frustração e impaciência frente à necessidade inexplicável de escrever, quando finalmente, nos poucos momentos de inspiração, escrevia, a experiência era incorpórea, quase transcendente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário