sábado, 13 de julho de 2013

Tinto (interminado)

    “... Não há resposta para a sua pergunta.”

    “Mas tem de haver um porquê, um motivo, algo”, exclamava com interrogações expressas em seus grandes olhos. Ela tem os olhos da mãe, grandes e expressivos; o cabelo ondulado, revoltoso; a expressão intimorata, a personalidade implacável, a mesma altura, mesmo corpo, a mesma venustidade irrepreensível e incontestável... É como se fossem a mesma pessoa.

    “Precisamente. Amor.”

    “Você mal a conhecia”, respondeu a menina, desconfiada.

    “E?”

    “Como pôde simplesmente clamar por amá-la sem ao menos conhecê-la? Não faz sentido.”

    “E eu não estava certo?”

    “Ela pode ser agora, mas...”

    “Escuta”, respondeu, lentamente pegando um cigarro do bolso esquerdo interno do blazer e acendendo-o em duas tragadas. Sem pressa, posicionou o cigarro sob o cinzeiro à sua frente. O copo de scotch, que a própria Elizabeth havia servido, intocado até então, foi finalmente instrumentado. O girou em cima da mesa, jeitosamente, e deu-lhe um hausto. O líquido deambulou pela parte posterior da sua boca, de maneira que todos os sinuosos acentos deram vida ao seu paladar, até que engoliu. Elizabeth à sua frente, respeitosamente esperando, com olhos vidrados e imóveis. “Eu poderia estar errado e ter feito tudo por nada, ela poderia ter facilmente lacerado o meu coração com as mesmas interrogações com que você me apresenta hoje, afinal de contas”, disse entre um trago no cigarro, “era loucura, certo?”, e não esperou por resposta. “Acontece que no momento era a única coisa que fazia sentido para mim. Eu não sabia se aquilo era amor, tudo o que eu sabia é que eu a queria por perto, não importa como.”

    “E você simplesmente se jogou? Tão fácil assim?”

    Dessa vez ele abriu um sorriso. Mais um trago no cigarro e um hausto no scotch. “Foi simples, isso eu garanto. Mas foi a coisa mais difícil que eu fiz na vida. Eu tinha certeza de que os nossos destinos se separariam ali.”


    “E o que aconteceu?”, perguntou Elizabeth, sorrindo.

    “O que aconteceu foi que sua mãe me surpreendeu. Ela segurou a minha mão quando achei que a largaria.”

    “E se não tivesse acontecido isso?”

    “Então nós não estaríamos aqui agora. Eu provavelmente estaria contando uma história diferente à outra pessoa, não você, Liza. É essa a grande mágica da vida, do amor, da escolha... De maneira alguma minha vida estaria acabada se não desse certo”, mais um longo trago e um gole no whisky. “Eu me reergueria, recomeçaria, e a vida teria seguido outro rumo, com outras preocupações, outros algores, conquistas e pilares.” – Ele notou certo descontento na face da menina. “Mas é claro que esse homem não seria eu. Felizmente, sua mãe foi louca o suficiente para me aguentar.”

     “Você escrevia muito sobre ela?”

     “Tudo o que eu escrevia – e escrevo, é sobre ela, Liza. Você sabe disso.”

     “Eu queria que você não tivesse sido covarde”, disse a menina, com voz de mulher, em tom austero. O cômodo da sala tornou-se negro, as paredes perderam-se entre o opaco e, por alguns segundos, tudo se tornara indistinguível. Apenas a máquina de escrever na grande mesa mantinha-se íntegra, ao lado do copo e do cigarro queimando. O macabro subitamente preencheu o espaço. Elizabeth não estava lá. Na antiga máquina de escrever, havia uma folha branca manchada de um vermelho tinto em contraste com a tinta preta das palavras ali contidas.

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